quinta-feira, julho 02, 2009

Carta à revista Ciência Hoje

Recebi um e-mail do astrólogo Maurice Jacoel, transcrevendo a carta que o astrólogo Alexey Dodsworth mandou para revista Ciência Hoje sobre um artigo que ela publicou e que mais uma vez "atacava" a Astrologia. Compartilho do conteúdo escrito por Alexey e gostaria de levar a conhecimento de vocês para que entendam e possam ajudar a combater uma discriminação desnecessária, e como o próprio Alexey menciona "sem conhecimento de causa", sobre a Astrologia:


Carta de Alexey Dodsworth enviada à Ciência Hoje:

A astrologia não é um conhecimento imune a críticas, isso é um fato. Como todo e qualquer conhecimento desenvolvido pelo ser humano, a prática de buscar correlações entre movimentos celestes e eventos terrestres é passível de legítimo questionamento, e até mesmo os profissionais da área, quando são intelectualmente honestos, observam problemas e questões que merecem um olhar mais apurado. Assim ocorre, conforme observo ao longo de mais de vinte anos de prática profissional de astrologia. Desconheço astrólogos sérios que não estejam empenhados num constante criticar de seu próprio conhecimento.
A revista Ciência Hoje pretendeu estabelecer uma crítica, confrontando a astronomia com a astrologia. Críticas, conforme apontei desde o início, são sempre possíveis. Todavia, falta aos autores do referido artigo o tão importante conhecimento de causa. Os argumentos utilizados contra a astrologia, contidos no artigo, são bastante conhecidos por nós e perfeitamente refutáveis. Apresento aqui os principais equívocos argumentativos contidos na matéria da revista Ciência Hoje, com a esperança de que, no futuro, uma revista tão séria procure se informar melhor.
Primeiramente, os signos utilizados em astrologia ocidental não são as constelações celestes. Os signos astrológicos são trópicos, e não sidéreos. Pensar que os astrólogos utilizam as constelações astronômicas constitui total ignorância dos elementos básicos utilizados em astrologia.
Em segundo lugar, vale notar que nem todos os astrólogos falam em "influência dos astros". Mesmo na antiguidade, encontramos uma das principais máximas da astrologia (revelada – esta tábua surgiu no fim da Idade Média, mas revela uma sabedoria antiga) na Tábua Esmeraldina, que anuncia: "aquilo que está em cima é como aquilo que está embaixo, para que se realizem os milagres da coisa única". Ou seja, o que está em cima (os astros) é análogo ao que está embaixo (a vida na Terra).
O raciocínio analógico não implica em causalidade, nem tampouco na ideia de uma qualidade mecânica, ou de "energias invisíveis e desconhecidas" que desencadeiam comportamentos e fatos. O raciocínio analógico é profusamente explicado por Carl Jung em sua obra Sincronicidade, cujos detalhamentos não cabem aqui, mas valem a leitura. Não obstante afirme isso, não ignoro que alguns astrólogos creem numa relação de causa e efeito e em "energias astrais".
O que quero que fique claro com o presente texto é que a ideia de causalidade aplicada à astrologia não é unânime e, até onde posso observar, tal ideia é aceita por uma minoria. Se no passado alguns astrólogos famosos defenderam a causalidade, isso não significa que no presente a classe astrológica concorde com este modelo.
Em terceiro lugar, a astrologia não se limita a horóscopos de jornal e interpretações de personalidade de acordo com signos solares. Horóscopos de signos solares são o aspecto mais genérico da astrologia, e continuarão a existir mesmo que todos os astrólogos se recusem a fazê-los.
Vale aqui um relato pessoal: no final dos anos 80, ainda em Salvador, eu me recusava a fazer horóscopos de jornal, mas nem por isso eles deixavam de existir. Como os astrólogos locais se recusavam a escrevê-los, tais horóscopos eram feitos, na época, por jornalistas que inventavam coisas, usando o horóscopo para mandar recados para seus desafetos e belos dizeres para seus amores. Se o jornalista estava irritado com um amigo leonino, aproveitava o horóscopo para dizer "poucas e boas" para a pessoa. Se tinha um amor libriano, previa dias de grande amor. Faziam isso como um chiste, uma brincadeira. Deste modo, tanto melhor que seja um astrólogo a escrevê-los do que um jornalista engraçadinho, pois pelo menos quando é um astrólogo que escreve o horóscopo a interpretação estará consonante com o saber astrológico, ainda que suas interpretações não sejam completas.
Para interpretações astrológicas completas, astrólogos se valem do mapa astral de nascimento, e não apenas de signos solares. Vale salientar que um horóscopo de jornal, ainda que seja apenas um sopé da grande montanha da astrologia, serve de estímulo para que pessoas se interessem por um aprofundamento do assunto. Ainda que a interpretação possa ser, conforme foi apontado, genérica, é inofensiva e na maioria das vezes constitui um bom conselho, uma dica. Atacar a astrologia por conta de horóscopos de jornal é um tipo primário de crítica. Ainda que um astrólogo não goste de horóscopos pautados em signos solares, não há como negar que constitui um total desserviço à astrologia que um jornalista "invente" um horóscopo.
Estou de acordo com a crítica ao fato de que um mau astrólogo pode causar danos a pessoas, através de orientações e dizeres que prejudicam alguns desavisados não apenas no sentido psicológico. Contudo, estes maus astrólogos não são mais abundantes do que os maus profissionais que existem, lamentavelmente, em todas as profissões.
Não posso deixar de dizer que os argumentos utilizados pela Ciência Hoje não são nada diferentes dos mesmos argumentos apontados pela revista Superinteressante, no início dos anos 90. São argumentos repetitivos, superados e, se os autores tivessem se informado melhor, não dariam a este artigo um sabor tão ruim de comida requentada. A Ciência Hoje ficou com ares de "Ciência Ontem", ao valer-se de argumentos superados e já refutados pela classe astrológica ao longo de incontáveis publicações. Ela sequer se deu ao trabalho de ouvir um astrólogo sério.
Pergunto: é assim que se faz ciência? Creio que não. Mais do que creio: por conta de minha sólida formação filosófica, sei que não. Sugiro, aqui, a leitura da extensa obra do filósofo da ciência Paul Feyerabend, além do excepcional artigo escrito pela também filósofa da ciência Cristina Machado, intitulado "A relação de poder entre a astrologia e a ciência", disponível na internet.
Por fim, vale lembrar que este tipo de comparação entre a astronomia e a astrologia nada acrescenta à astronomia, tampouco a dignifica. Quando é mal feita, do jeito que foi, coloca os astrônomos numa posição de ignorantes pretensiosos, que criticam aquilo que não estudaram. Estudo astronomia na USP, e nenhum dos meus professores, até agora, perdeu tempo em aula criticando um conhecimento que não é o deles. Eles sabem que astronomia e astrologia são saberes completamente distintos, pautados em paradigmas diferentes.
Não se eleva um conhecimento atacando outro, principalmente quando o ataque apenas expõe profundo desconhecimento de causa. Quando os autores do texto da Ciência Hoje criticam a astrologia, incorrem no erro das generalizações graves.
Vale aqui fazer um pequeno recorte da revista Espaço Aberto, edição número 100, que conta com a declaração do professor Roberto Boczko, do Instituto de Astronomia da USP. Diz a revista: Outro assunto delicado é a astrologia, mas nesse assunto o professor diz ser necessário cuidado para que não sejam feitas análises generalistas. Segundo Boczko, alguns cientistas costumam se arvorar da ideia de que explicam tudo e aquilo que eles não sabem explicar não existe. "Essa é uma atitude um tanto quanto perigosa e anticientista, porque o pesquisador deve estar aberto a novas descobertas, procurar explicar novos fatos", comenta. Mas ele pondera e opina que tudo para o que não há explicação também não pode ser considerado prontamente sobrenatural.
O discurso do professor Boczko revela seu profundo entendimento dos limites da ciência. O cientista não pode, não deve ser convertido no novo "sumo sacerdote" de nossa sociedade. Do mesmo modo, os astrólogos não deveriam pleitear para si o status de "ciência" apenas como uma forma de reconhecimento social.
Sim, há críticas perfeitamente possíveis contra a astrologia: a crença no inatismo identitário é atacada por Foucault, assim como Deleuze dedica longa parte de sua obra a criticar a ideia de "identidade". Em nenhum dos casos as críticas de Foucault e Deleuze se dirigem frontalmente contra a astrologia, mas poderiam ser aplicadas a ela. Estas, sim, seriam críticas dignas de muita discussão.
É inevitável lembrar também de Carl Sagan, famoso astrônomo que, apesar de também não considerar a astrologia uma ciência, recusou-se a assinar um manifesto elaborado por cientistas contra "esta tal superstição", por considerar a declaração autoritária. Mais do que apenas um homem inteligente, Sagan demonstrou sabedoria ao dizer que não assinaria um documento manifestando-se de forma contrária ou censora a um saber que não é da conta dele. Ao denunciar que se tratava de um documento autoritário, Carl Sagan deu exemplo do que é, de fato, ser um homem da ciência. Bulas papais condenaram cientistas no passado com seus manifestos autoritários. É espantoso que, com o passar dos anos, os perseguidos se convertam em perseguidores.

Alexey Dodsworth Diretor técnico da Central Nacional de Astrologia, bacharel em filosofia pela Universidade São Judas Tadeu e aluno de graduação em astronomia pelo IAG-USP Maurice Jacoel
E também segue o artiog de Cristina Machado a que Alexey Dodsworth menciona em sua carta, que também vale muito a pena ler (A Relação de Poder entre Astrologia e Ciência):
A condenação da Astrologia por muitos cientistas não é fruto da aplicação rigorosa de métodos de investigação, mas sim da imposição autoritária de um único sistema de pensamento. Quem afirma isso é o filósofo Paul Feyerabend, um dos arautos da nova filosofia da ciência.
Resumo
Paul Feyerabend colaborou para a falência dos modelos normativos, desmistificando o método científico. Extremamente polêmico, principalmente por tratar de assuntos pouco usuais - como a astrologia -, para ele, a ciência não é o único e nem o melhor sistema de pensamento desenvolvido pelo homem, tendo sido alavancada a um estatuto de superioridade por forças históricas que decretaram o que deveria ser o padrão de conhecimento. Dessa maneira, o problema da demarcação entre ciência e não-ciência - como é o caso da discussão sobre a cientificidade da astrologia - tende a se tornar obsoleto, pelo menos do ponto de vista "puramente" epistemológico, passando a ser entendido como uma questão ético-política.
A partir de 1962, com a publicação de A estrutura das revoluções científicas, de Thomas Kuhn, começa a surgir um híbrido que reúne a função normativa [1] da filosofia da ciência e a função descritiva da história da ciência. Entretanto, a insuficiência disciplinar da filosofia da ciência já fora detectada por Kuhn, que, para entender como a ciência progride, substituiu a preocupação com a estrutura lógica pela histórica. A partir de então, torna-se muito difícil sustentar o limitado modelo normativo-demarcacionista, pois ele não dá conta de responder a priori o que é ciência, como indica a análise dos critérios de demarcação entre ciência e não-ciência propostos ao longo do século XX [2]. E se não é a priori que se define o que é ciência, não se trata, então, de um modelo normativo. Afinal, como ser normativo a posteriori? Cabe, portanto, uma abordagem histórica, descritiva, a posteriori, para se demarcarem os domínios científicos.
Paul Feyerabend, um dos arautos da nova filosofia da ciência, colaborou para a falência dos modelos normativos, desmistificando o método científico. Para ele, não há critérios absolutos de cientificidade e nem um método único para a ciência, mas sim pluralismo metodológico. Podemos entender o pluralismo como a possibilidade de se tomar cada coisa como aparece, tentando tratá-la em seus próprios termos. No caso da ciência, ela não se limita a modelos metodológicos, epistemológicos e ontológicos dados de antemão, e as apostas do pluralismo de Feyerabend são na liberdade e na criatividade humanas. Além disso, uma de suas principais reflexões diz respeito ao estatuto da ciência: o que ela tem de tão especial? Para Feyerabend, a ciência não é o único e nem o melhor sistema de pensamento desenvolvido pelo homem, tendo sido alavancada a um estatuto de superioridade por forças históricas, violentas, que usurparam o poder e decretaram o que deveria e o que não deveria ser o padrão de conhecimento. Dessa maneira, o problema da demarcação entre ciência e não-ciência tende a se tornar obsoleto, pelo menos do ponto de vista "puramente" epistemológico, passando a ser entendido como uma questão ético-política.
No contexto da querela normativo-demarcatória, o caso da astrologia é citado diversas vezes, de maneira geral como exemplo de pseudociência. Feyerabend, como veremos, é a voz dissonante, especialmente no texto "O estranho caso da astrologia". Taxado de relativista, assim como Kuhn e outros, talvez possamos entender Feyerabend e toda a nova filosofia da ciência como proponentes de uma nova forma de racionalidade científica: uma racionalidade contextualizada, quer seja associada a paradigmas (Kuhn), programas de pesquisa (Lakatos) ou tradições de pesquisa (Laudan). Num sentido mais amplo, uma racionalidade associada a uma cultura. Assim, em vez de um contraditório "tudo é relativo" (se tudo é relativo, então esta afirmação também é relativa), pois "o homem é a medida de todas as coisas", podemos pensar em algo assim: a comunidade é a medida de todas as coisas que lhe dizem respeito, pois é no seu interior que se definem os conceitos e que se tecem as redes semânticas que emprestarão significado ao mundo. Critérios, métodos, padrões e regras só fazem sentido, portanto, num dado contexto, pois só se constituem e também se modificam com o uso, não sendo estabelecidos a priori (Feyerabend, 2001, pp.56-57).
O problema do relativismo científico, ou seja, da não-existência de critérios intrínsecos à ciência que nos conduzam a uma escolha racional, universal e atemporal, leva-nos à seguinte questão: como justificar a ciência da maneira usual, com pretensões de verdade, universalidade e neutralidade, numa sociedade plural em que tanto verdade quanto falsidade podem ser explicadas racionalmente? Ou seja, se as verdades são datadas - o que é verdade aqui e agora pode não sê-lo amanhã ou em qualquer outro tempo/espaço -, então não há mais como justificar a ciência dessa maneira, pois os modelos normativos de filosofia da ciência, bem como quaisquer outros sistemas de pensamento totalizantes, foram colocados em xeque pelo pluralismo, que é fruto das noções modernas de liberdade e democracia. Nesse sentido, podemos, nos termos de Feyerabend, pensar num relativismo democrático (Feyerabend, 1981, pp.28-33) ou num pluralismo cultural, em vez de uma admirável monotonia nova (Feyerabend, 1987, p.273), na qual se impõem abstrações e estereótipos - numa palavra, uniformização -, em detrimento da criatividade humana, da diferença cultural e da abundância do ser [3].
Partindo do princípio de que a ciência se instituiu pela força, assim como a própria cultura ocidental [4], e não por sua pretensa superioridade epistemológica, metodológica ou ontológica, é possível entender, junto com Feyerabend, o exercício de poder da ciência sobre todos os outros sistemas de pensamento. E é disso que trataremos aqui, da arrogância do poder estabelecido em relação à astrologia, que, com o advento da ciência moderna, passou a uma condição de marginalidade, porque todas as apostas se viraram contra ela. Só para citar alguns fatos que ilustram essa postura impositiva: 1) a criação da Academia de Ciências por Colbert, em 1666, sem incluir a astrologia [5]; 2) o decreto de Luís XIV, em 1682, condenando a difusão dos almanaques astrológicos; 3) a proibição, a partir de 1710, da impressão das Efemérides e das tábuas de casas; e 4) o manifesto de 186 cientistas contra a astrologia, em 1975, que analisaremos mais adiante.
Dessa maneira, é possível esclarecer finalmente que a relação entre astrologia e ciência é uma relação de poder - uma força política -, bem como o problema da demarcação entre ciência e não-ciência, nada tendo a ver com critérios epistemológicos.
[1] Entenda-se função normativa como a perspectiva disciplinar da filosofia da ciência, com sua pretensão demarcacionista de delimitar o domínio da ciência e de definir como esta deve proceder para ser ciência.
[2] Grosso modo, os critérios propostos são: verificabilidade (positivismo lógico), refutabilidade (Popper), ciência normal (Kuhn) e ciência madura (Lakatos). Para mais informações, remeto o leitor à minha dissertação de mestrado Sobre a falência dos modelos normativos de filosofia da ciência - a astrologia como um estudo de caso (PUC-Rio, 2006), onde faço uma análise detalhada dos critérios de demarcação.
3] Em seu último livro, recentemente lançado no Brasil, A conquista da abundância, Feyerabend se detém no que ele chama de "conto da abstração versus a riqueza do ser", ou seja, a tendência crescente, no desenvolvimento da cultura ocidental, de usar abstrações e estereótipos, desconsiderando o particular e o detalhe.
[4] Podemos pensar em forças mais violentas, como as Cruzadas, a catequização do Novo Mundo e a recente moda de impor a democracia, o modelo econômico e as suas respectivas formas de vida a outros povos, mas também em forças mais dissimuladas, como a difusão de uma visão de mundo uniforme e as práticas cada vez mais definidas por uma elite tecnocientífica que determina quem tem prestígio e poder na sociedade.
[5] Essa decisão política compõe o cenário de um "projeto" de modernidade, cujo ideal de reflexão autônoma do sujeito, é iniciado por Descartes. As formas de pensamento baseadas na semelhança - como é o caso de, pelo menos, parte da astrologia - não estavam incluídas nesse projeto (Foucault, 2000, p.10).

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